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Ele não é mais um. Ele é o meu Pai

Erico Vasconcelos [A] Diretor-Fundador da UniverSaúde

Com as dimensões que a pandemia tomou em nosso País estava na cara que isso ia “bater à nossa porta” mais cedo ou mais tarde. Pra falar a verdade acho até que demorou um tanto. Essa troca aqui poderia enveredar por um debate “cascudo” e entristecedor acerca dos potenciais motivos que concorreram para o que assistimos hoje. Do que nos afetou e contribuiu para este caos, mas não quero explorar isto não. Pelo menos por enquanto.

Quero compartilhar pontualmente o sentimento de tristeza que nos invade hoje de ver meu pai sucumbindo à COVID-19, internado há 5 dias, piorando a cada dia que passa e agora precisando de um leito de Unidade de Terapia Intensiva (UTI) que não há disponível.

Meu pai não estava lá levando assim tão à sério a pandemia não infelizmente. No auge dos seus 72 anos, resistia naturalmente ao uso da máscara, dentre outros movimentos que podem imaginar. Era abril/2020 quando brigamos por tanto pegar no seu pé quanto a viagem à Fortaleza-CE que tinha programado fazer à casa das minhas tias, argumentando que não tinha cabimento correr riscos em meio ao cenário caótico da pandemia nesta cidade. Ele ficou bravo, quem o conhece sabe, e até um tempão sem falar comigo. Jeitão dele, aquele jeito, enfim.

As viagens para Fortaleza-CE eram uma espécie de “válvula de escape” para o Seu Lucídio. Ele curtia a sensação da viagem. Fazia questão de ir de ônibus ao aeroporto, saindo bem cedo. Já forjado no caos e na “arte dos conflitos”, eu mesmo abri mão de pegar no pé tanto dele quanto da minha mãe que insistiam com estas programações de viagem às cidades de suas famílias – como quem negasse a realidade dramática e complexa que permanecíamos mergulhados. Aqui dá um bom arrazoado pra gente explorar também em outro momento, quem sabe, rs.

Meu pai foi à Fortaleza à casa das tias no início de março/2021 se me lembro bem. Estava preocupado com uma delas que tinha um câncer em estado terminal e queria acompanhá-la em seus ditos últimos dias. Lá nesta casa eram ela e mais outras duas velhinhas. Uma cadeirante e uma outra pequenina, já bem velhinha. Minha tia com câncer faleceu há duas semanas de sábado pra domingo. Ficou na fila pra ser enterrada tamanha movimentação nos cemitérios. A gente acredita que nestas providências pra lá e pra cá meu pai tenha sido infectado por COVID-19.

Meu pai então inicia pelo domingo ou segunda seguinte os primeiros sintomas de tosse intensa, minimizando-os até então e creditando-os à emoção pela perda da irmã. Enquanto isso, a outra pequenina, mais velhinha, começava a passar mal. Foi então ao hospital e morreu no dia seguinte. Por COVID-19. Surreal. No sábado seguinte, ele próprio recorreu ao hospital tamanho mal estar respiratório, dentre outros sintomas.

Nesse meio tempo meu pai só piora. Agora, em meio ao desconforto respiratório, aguarda uma vaga para a UTI. Com a saturação baixa já tem indicação de entubação. E assim segue ele em sua sina, lutando agora pela conquista da saúde que sempre gozou. Na luta pela vida.

Meu pai reúne potência para engrossar a estatística de muitos que perderam a vida em condições semelhantes. E o sentimento que invade é de uma tristeza sem tamanho. Eu já sentia isso desde sempre lá no começo. Cheguei a não acreditar que isto pudesse tomar a dimensão e a extensão de gravidade que tomou. Cada vida que perdemos simboliza parte importante de uma derrota que é da Nação, de todos nós na prática. Minimizar a importância disto é muito grave, digno de gente literalmente doente de alma, de tudo.

Esta “preocupação” deveria estar alicerçada em um certo senso de humanidade implicado, digno da natureza humana, pautado pela perspectiva ética e moral de nossa Sociedade – na lógica mais pura e simples “do que eu não quero pra mim não quero para o outro”. Quando eu me preocupo com o outro eu compartilho com ele boa parte de quem de fato tenho sido, de quem eu sou. A perda desta dimensão é uma das coisas que mais tem me assustado em um País cuja sociedade embruteceu. “Corações de pedra”, como disse um amigo recentemente.

No popular, com todo perdão pela expressão chula, será que a “merda sempre precisa chegar ao ponto de bater na bunda” por aqui pra muitos começarem a compreender que sentimento é este que entristece e afeta seu semelhante? Infelizmente para muitos, o arrepender-se agora, a esta altura do campeonato, pode não adiantar mais.

Fato é que esta “conjuntura social” tem patrocinado sim tudo isso que agora repercute em mim e minha família. Estamos afetados, tristes. Minha mãe desolada. Meu pai não pode ser mais um na estatística, diminuído em sua importância por muitos que já nem mais se afetam com a dramaticidade deste instante tão grave que atravessamos.

Pai, quero te dizer que te amo muito! Sim, você sempre foi difícil pacas, duro na queda, simplão de tudo, desde o jeito de se vestir até de falar. Eu aprendi tanto com você e sua coragem a ponto de ter me inspirado a empreender. Vi você saindo do nada e conquistando a duras penas tudo que conseguiu. É triste demais vê-lo passando por isso agora, mas a gente não tem muito mais o quê fazer para além do que estão fazendo contigo. Queria muito que você se recuperasse e voltasse pra perto da gente logo, mas receio de coração não testemunhar isso em meio à piora do seu estado de saúde que tanto mexe com a gente aqui, distante de vc mais de 3 mil quilômetros.

Independente do que acontecer, Paizão, você não será jamais pra mim e pra gente aqui mais um número não. Você sempre será o meu, o nosso herói. Para sempre o meu Pai!

__________________

[A] Erico Vasconcelos é cirurgião-dentista, estomatologista, especialista em Terapia Comunitária, em liderança e desenvolvimento gerencial de organizações de saúde e com MBA em gestão de pessoas. Há 15 anos atua na gestão da Atenção Básica, do SUS, na Segurança e Qualidade e na Gestão Estratégica de Pessoas. Foi gestor de saúde de diversas organizações privadas e municípios. Atuou no Ministério da Saúde entre 2013 e 2016 no Departamento de Atenção Básica elaborando políticas e desenvolvendo ações de apoio e educação. Desde 2005 atua na formação em serviço de gestores e profissionais de saúde pelo Brasil afora. Trabalhou como Tutor e Coordenador de Cursos na EaD da ENSP, UnASUS-UNIFESP e na UFF. Foi Professor de Saúde Coletiva da Universidade de Mogi das Cruzes (UMC) e em outros cursos de várias Universidades. Fundou a UniverSaúde em 2016, uma startup que ajuda pessoas e organizações a conquistarem mais Saúde integrando gestão, educação e tecnologias Já trabalhou em mais 40 municípios e organizações. Cursa atualmente a pós-graduação do Master de Liderança e Gestão (MLG) do Centro de Liderança Pública (CLP).

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