O quê falta para o "muro de Berlim" do SUS cair?
- ericovasconcelos4
- há 3 dias
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Erico Vasconcelos [A]

O muro de Berlim, construído em 1961 pela República Democrática Alemã (RDA), foi uma barreira física que dividiu a cidade de Berlim, e também a Alemanha, em duas partes: a Berlim Ocidental, controlada pelos aliados, e a Berlim Oriental, sob domínio da União Soviética, durante o período da Guerra Fria. Durou até 1989 quando foi derrubado. Pensar um "muro de Berlim" do SUS é considerar fatores que atrapalham a sua consecução plena, aspectos que atentam contra os seus princípios, sobretudo o da integralidade. Trata-se de uma metáfora que pode ser usada para descrever bem uma dificuldade que mais o desafia desde a sua concepcão: a continuidade do cuidado na relação entre o nível da Atenção Primária à Saúde e a Atenção Ambulatorial Especializada por meio do acesso das pessoas às consultas com especialistas e à realização de exames complementares para fins diagnóstico.
Faz-se importante registrar que esta agenda sempre foi escanteada, sem a devida atenção na nossa história recente. Há que ter muita coragem para enfrentar este "muro", uma vez que há diversos aspectos de caráter histórico e estrutural em jogo e que demandam muita energia e tempo para solução. O tempo atual da política não será o tempo do encaminhamento deste desafio e isso me parece um ponto positivo a ser considerado no debate. Temos uma agenda de Estado em curso e que pensa o SUS a médio e longo prazo. Está posto.
A médica sanitarista Gulnar Azevedo, atual Reitora da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), disse recentemente que "este é o principal e mais complexo desafio do SUS". E emenda: "É preciso fazer um diagnóstico para desconcentrar e usar a estrutura do SUS para pensar em soluções locais". Corroborando a opinião de Gulnar, compreendemos a magnitude e complexidade deste assunto a ponto de concordarmos que não pretendemos esgotar o diálogo sobre este tema com você neste singelo registro em absoluto. No entanto, à luz da política nacional recentemente estabelecida e já produto de bastante crítica, entendemos que para que este "muro de Berlim" do SUS venha ao chão, precisamos nos debruçar em um breve "recorte" pautado por 5 movimentos iniciais que consideramos fundamentais neste momento - dentre outros tantos que obviamente serão motivo de mais diálogo entre nós por aqui neste Blog.
Os 5 movimentos estruturais que consideramos estratégicos para a superação das dificuldades históricas que o SUS enfrenta e que são objeto, em potencial, da Política Nacional da Atenção Especializada/Programa Mais Acesso aos Especialistas são os seguintes:
1-RESPONSABILIDADE SANITÁRIA SOLIDÁRIA PARA A GESTÃO DO SUS NO ÂMBITO REGIONAL:
Este nos parece um dos principais desafios historicamente postos. Já considerada lá em 2006 como um dos pontos no chamado "Pacto pela Saúde", a ideia aqui deste "senso de responsabilidade" assim caracterizado passa pela necessidade do fortalecimento da governança do SUS no nível regional pautada pelas características estruturais - física e de pessoal - e do potencial estimado das unidades assistenciais para o atendimento integral das demandas da população - a despeito das diferenças político-partidárias e ideológicas, dentre outras diversas. Os gestores devem fazer valer seu protagonismo para negociar aberta e honestamente entre si as bases necessárias para utilizar bem o recurso recebido para produzir entregas de valor à população-alvo - diante da potência estrutural existente e pensando no melhor para a Saúde da região. Este senso de solidariedade e de "tecimento de rede" para um bem maior precisa ser considerado para ajudar a "derrubar o muro".
2-PROBLEMA NOSSO, SOLUÇÃO NOSSA - COMO GERIR REGIONALMENTE O FORTALECIMENTO DA ATENÇÃO AMBULATORIAL ESPECIALIZADA?
O debate sobre "gestão de filas de espera", bem como dos conceitos de "Regulação", "Avaliação", "Controle" e "Auditoria", dentre outros temas possíveis de serem considerados à luz deles ("prestação de contas", p.ex.), surgem com força aqui. E de novo a ideia de "rede" nos parece inteligente considerar, pois precisamos exercitar uma agenda de apoio, cuidado e proteção entre os gestores para que os mais sabidos e experientes, com mais visão privilegiada de mundo, ajudem àqueles que não tiveram tais acúmulos ainda. Precisamos de formação em serviço para fazer isto dar certo, já que muitos não tem propriedade intelectual sobre os conteúdos que são considerados pressupostos aqui. Constituir um "Núcleo de Gestão e Regulação", como posto na Política, é sim um desafio grande, porém factível. Para isso, será preciso destinar uma agenda própria e específica para esta finalidade e um espaço para o diálogo para além-fronteiras dos municípios, pensando no melhor para o SUS da região.
3-"COMBINANDO COM OS RUSSOS" ANTES: COMO FAZER VALER AS OCIs NA REGIÃO?
Aqui surge a capacidade da região enxergar de forma ampliada para toda a estrutura presente, e em potencial para a contemplação da agenda de cuidado necessária, para cada uma das 5 ofertas apresentadas em Portaria. A gestão deste processo, a partir dos Núcleos de Gestão do Cuidado pensados na Política com este objetivo, deverá assumir papel protagonista na revisão dos fluxos assistenciais, do transporte sanitário implicado na condução dos usuários e, sobretudo, das relações contratuais eventualmente existentes/estabelecidas com cada Prestador de Serviço privado, especialmente quanto ao cumprimento dos prazos determinados em Portaria e que estão atrelados a conquista de incentivos financeiros. Há que se desenhar e acordar conjuntamente fluxos e protocolos assistenciais para nortear a referência e contra-referência das pessoas na Rede de Atenção à Saúde composta pelos municípios que fazem parte do Plano.
4-COM QUEM FICA A GESTÃO DO FATURAMENTO?
Aqui tem algo muito técnico e elaborado a ser trabalhado e cuidado. Há uma série de delicadezas no processo interno de trabalho da gestão do faturamento no que tange as "regras de negócio" estabelecidas entre as unidades assistenciais finalísticas e aquelas "apuradoras" dos procedimentos executados, para além da complexidade relacionada à melhor prática na utilização dos sistemas de informação nos municípios. Se historicamente já testemunhamos dificuldades no âmbito local, o que dirá quando esta ação envolve uma região e o coletivo destes municípios como um todo, não é? Há que se pensar uma "regra de negócio" potente aqui, associada a uma agenda transversal de ensino e aprendizagem em serviço para nortear a atividade dos trabalhadores, sua melhor prática e a agenda de trabalho para que não haja perda de incentivos financeiros atrelados à política em questão.
5-QUEM GERE OS RESULTADOS?
Aquele mesmo Núcleo de Gestão e Regulação, tal qual citado no item 2, assume o protagonismo aqui novamente. É preciso que este processo seja gerido ali na "ponta dos dedos" para que, por meio de um plano de medição, sejam verificados os resultados concretos das ofertas à população - especialmente quanto a redução dos tempos de atendimento e seus respectivos desfechos. Trata-se de um espaço digno da "inteligência gestora" do SUS regional que acabará por deter privilegiadamente um olhar sobre a forma como a continuidade do cuidado se concretiza em ato, com possibilidades de observar o que pode/deve ser feito para melhorar ou corrigir os fluxos e os caminhos destinados ao cuidado das pessoas - para além dos fatos que desdobrarão planos de intervenção destinados a melhoria e/ou correção das ações visando a maior captação de incentivos financeiros por meio do Programa.
Tais contribuições assim listadas, quando trabalhadas conjuntamente e de forma bastante solidária e responsável, certamente apoiarão as Equipes à derrubada deste grande "muro", até então presente na experiência de muitos quando diante da necessidade de ter seu cuidado continuado. Sigamos todos firmes e fortes nesta missão.
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[A] Erico Vasconcelos é cirurgião-dentista, estomatologista, especialista em Terapia Comunitária, em liderança e desenvolvimento gerencial de organizações de saúde e com MBA em gestão de pessoas. Há 19 anos atua na gestão da Atenção Básica, do SUS, na Segurança e Qualidade e na Gestão Estratégica de Pessoas de organizações de saúde. Foi gestor de diversas organizações privadas e municípios. Atuou no Ministério da Saúde entre 2013 e 2016 no Departamento de Atenção Básica elaborando políticas e desenvolvendo ações de apoio e educação. Desde 2005 atua na formação em serviço de gestores e profissionais de saúde pelo Brasil afora. Trabalhou como Tutor e Coordenador de Cursos na EaD da ENSP, UnASUS-UNIFESP e na UFF. Foi Professor de Saúde Coletiva da Universidade de Mogi das Cruzes (UMC) e em outros cursos de várias Universidades. Fundou a UniverSaúde em 2016, uma empresa que ajuda gestores a reduzirem custos e a captarem novos recursos com resultados rápidos, fortalecendo a governança e promovendo a sustentabilidade financeira e organizacional da Saúde. Atualmente desenvolve parceria com a empresa de tecnologia OM 30 de São Paulo-SP.
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