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Quem paga a conta do SUS? Impactos para a gestão municipal da Saúde Pública brasileira

Erico Vasconcelos [A]


O Sistema Único de Saúde (SUS), consolidado como uma das maiores e mais abrangentes políticas públicas do mundo, vive sob a constante tensão entre o ideal constitucional e a dura realidade orçamentária. Enquanto a Constituição de 1988 consagra o direito universal à saúde, o financiamento público não acompanha a complexidade crescente do sistema, o avanço tecnológico, o envelhecimento populacional e a transição epidemiológica do país.


Nos últimos 20 anos, apesar do aumento de responsabilidades dos municípios, o financiamento do SUS continua desigual, fragmentado e insuficiente. O que temos é uma municipalização das obrigações sem a federalização do suporte financeiro. Os gestores municipais, muitas vezes com pouca margem de manobra, se veem diante do desafio de “fazer mágica” com orçamentos que mal cobrem o básico.


O Subfinanciamento Estrutural do SUS: Uma Crônica Anunciada

A saúde pública brasileira é cronicamente subfinanciada. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), países que oferecem sistemas universais de saúde investem, em média, 6% do seu Produto Interno Bruto (PIB) em saúde pública. No Brasil, esse número mal ultrapassa 3,8%. O gasto público per capita com saúde no Brasil é de cerca de R$ 1.500/ano, enquanto em países como Reino Unido e Canadá ultrapassa R$ 6.000 (IPEA, 2022). O gasto federal com saúde pública, em proporção ao orçamento da União, caiu de 15,77% em 2017 para 13,45% em 2021 (Conselho Nacional de Saúde, 2022). Este cenário se agravou com a Emenda Constitucional nº 95/2016, que instituiu o teto de gastos, congelando os investimentos em saúde (e educação) por 20 anos, descolando-os da realidade populacional e epidemiológica. Estima-se que o SUS tenha deixado de receber cerca de R$ 37 bilhões entre 2018 e 2023 por conta dessa limitação fiscal (CONASS, 2023).


O SUS é Municipalizado, mas o Dinheiro Não

Enquanto a descentralização das ações de saúde se consolidou – com os municípios assumindo a maior parte da execução dos serviços –, o pacto federativo financeiro não acompanhou essa descentralização. Em 2022, os municípios responderam por 31% do financiamento da saúde, os estados por 26% e a União por 43%. No início da década de 1990, a União arcava com mais de 60% do financiamento total (CONASEMS, 2023). Mais de 3.000 municípios brasileiros aplicam acima dos 20% de sua Receita Corrente Líquida (RCL) em ações e serviços públicos de saúde, muito além do mínimo constitucional exigido (15%). Este desequilíbrio prejudica a sustentabilidade da gestão local e reduz a capacidade de investimentos em inovação, implantação de políticas de promoção da saúde e prevenção de doenças, dentre outras voltadas ao fortalecimento da Atenção Primária à Saúde e da Atenção Especializada.


O Papel do Gestor Municipal do SUS: De Executor a Arquiteto da Solução

A resposta ao subfinanciamento não pode vir apenas do aumento de recursos. Todos sabemos que isto é fundamental e este movimento/pleito precisa seguir acontecendo. No entanto, é necessário considerar um novo perfil de gestão para o SUS dos municípios: mais estratégico, baseado em evidências e com foco em eficiência. Segundo o relatório "Primary Health Care on the Road to Universal Health Coverage" da OMS (2019), sistemas mais resilientes são aqueles em que os gestores locais têm autonomia orçamentária, capacidade técnica e acesso a dados de qualidade.


A Experiência da UniverSaúde: Eficiência Técnica como Resposta Estratégica

A UniverSaúde atua na construção de soluções integradas para transformar a gestão municipal em um eixo estratégico de resultados. A partir de criação de núcleos técnicos locais e ferramentas digitais em decisões compartilhadas com os gestores, os municípios parceiros alcançam maior previsibilidade financeira, controle de despesas e aproveitamento máximo das fontes de recursos disponíveis. Os principais movimentos que fazemos juntos e que trazem resultados expressivos aos municípios são os seguintes:


a) Qualificar os processos de planejamento integrado (PPA, LOA, Plano Municipal de Saúde) apoiando as gestões para "fazerem valer" a realidade na prática com o que consta nos instrumentos de gestão (PAS, RDQA e RAG), conferindo maior sustentabilidade e legitimidade aos processos operacionais e às prestações de conta à população nos espaços públicos e momentos destinados a esta finalidade,


b) Implantar uma gestão orçamentário-financeira ativa e potente, com visibilidade em tempo real sobre a estrutura, o processo e resultados das Secretarias, controle regular e frequente de gastos e monitoramento de indicadores por meio de uma "sala de situação" na mesa do gestor municipal do SUS - com dados tratados e que o subsidie para a tomada de decisões,


c) Estimular o uso de tecnologias de informação para uma Saúde Pública mais inteligente, pautada por um movimento gestor que assegure a melhor leitura e análise do funcionamento da organização em sua complexidade, desde a construção de "regras de negócio" para a utilização dos sistemas até o tratamento dos dados que oportuniza acesso à informação e a produção do conhecimento para possibilitar a tomada de decisão sustentável,


d) Capacitar continuamente os quadros técnicos, aperfeiçoando-os em pleno serviço, com foco em planejamento, regulação, compras públicas e auditoria - dentre outras áreas possíveis segundo a realidade de cada lugar.


Considerações finais

A crise do financiamento da saúde pública no Brasil não é apenas uma questão de números, mas de prioridades políticas e de modelo de gestão. Os municípios, embora penalizados por um sistema organicamente desigual, que parece na prática estar concebido para não dar certo, também são os espaços com maior potencial de inovação e mudança. Se a pergunta é “quem paga a conta?”, a resposta deve incluir a responsabilização da União, o redesenho do pacto federativo, a construção de uma nova agenda político-gestora para a Saúde Pública nacional e a adoção de modelos mais inteligentes de gestão pública. Diante destes imensos desafios, o gestor municipal deve deixar de ser apenas executor e assumir seu lugar como "arquiteto da sustentabilidade financeira e organizacional do SUS".


Referências bibliográficas

  1. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), 2022. Gasto público em saúde no Brasil: diagnóstico e perspectivas.Disponível em: https://www.ipea.gov.br

  2. Organização Mundial da Saúde (OMS), 2019. Primary Health Care on the Road to Universal Health Coverage.Disponível em: https://www.who.int

  3. Mendes, A., & Marques, R. (2021). Fragmentação do financiamento do SUS e seus impactos na eficiência do gasto municipal.Revista de Saúde Pública, 55, 78.DOI: https://doi.org/10.11606/s1518-8787.2021055002678

  4. Conselho Nacional de Saúde (CNS), 2022. Subfinanciamento e perdas com a EC 95/2016.Relatórios técnicos disponíveis em: https://conselho.saude.gov.br

  5. Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (CONASEMS), 2023. Panorama do financiamento municipal da saúde no Brasil.Disponível em: https://www.conasems.org.br

  6. Conselho Nacional de Secretários de Saúde (CONASS), 2023. O SUS em números: financiamento, estrutura e desafios.Disponível em: https://www.conass.org.br

  7. BRASIL. Emenda Constitucional nº 95/2016. Altera o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias para instituir o Novo Regime Fiscal.Disponível em: https://www.planalto.gov.br

  8. Paim, J. S. (2018). O SUS no século XXI: o dilema entre o modelo assistencial e o financiamento insuficiente.In: Cadernos de Saúde Pública, 34(5).DOI: https://doi.org/10.1590/0102-311x00129617

  9. Brasil. Ministério da Saúde, 2023. Relatório de Gestão da Saúde – SIOPS e indicadores financeiros do SUS. Disponível em: https://www.gov.br/saude

  10. Rede de Pesquisa em Atenção Primária à Saúde (Rede APS), 2022. Financiamento da APS e o fim do Previne Brasil: perspectivas futuras.Disponível em: https://redeaps.org.br


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[A] Erico Vasconcelos é cirurgião-dentista, estomatologista, especialista em Terapia Comunitária, em liderança e desenvolvimento gerencial de organizações de saúde e com MBA em gestão de pessoas. Há 19 anos atua na gestão da Atenção Básica, do SUS, na Segurança e Qualidade e na Gestão Estratégica de Pessoas de organizações de saúde. Foi gestor de diversas organizações privadas e municípios. Atuou no Ministério da Saúde entre 2013 e 2016 no Departamento de Atenção Básica elaborando políticas e desenvolvendo ações de apoio e educação. Desde 2005 atua na formação em serviço de gestores e profissionais de saúde pelo Brasil afora. Trabalhou como Tutor e Coordenador de Cursos na EaD da ENSP, UnASUS-UNIFESP e na UFF. Foi Professor de Saúde Coletiva da Universidade de Mogi das Cruzes (UMC) e em outros cursos de várias Universidades. Fundou a UniverSaúde em 2016, uma empresa que ajuda gestores a reduzirem custos e a captarem novos recursos com resultados rápidos, fortalecendo a governança e promovendo a sustentabilidade financeira e organizacional da Saúde. Atualmente trabalha como Tutor do HCor em uma iniciativa do PROADI-SUS/Ministério da Saúde.

 
 
 

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