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Do AMQ à nova política de financiamento da Atenção Primária à Saúde - 20 anos de desafios!

Erico Vasconcelos [A]



O ano era 2007 e eu gerente de uma Unidade Básica de Saúde da cidade de São Paulo. Fomos chamados para uma reunião e a pauta era "AMQ", a tal da "Avaliação para a Melhoria da Qualidade". Lá vem mais uma sigla pra inflar a cabeça e ocupar nossa agenda. Lembro-me como se fosse hoje, rs..


Entre muitas histórias possíveis de serem contadas, presenciava ali um momento histórico e que me contemplava muito. Um primeiro esforço prático e objetivo voltado à padronização das condutas dos profissionais de saúde no âmbito da então "Atenção Básica" em nivel nacional - era assim como gostávamos de chamar a Atenção Primária à Saúde (APS). Era um primeiro "norte" por meio de um método que nos dava a chance de enxergar se o que fazíamos alinhava-se ao esperado de nossas práticas, o que também nos oportunizava olhares sobre necessidades de ações para o aperfeiçoamento profissional em serviço - de modo que nossos resultados pudessem melhorar constantemente.


Como dentista e estomatologista, aprendi a ser "cirúrgico", mais objetivo e resolvedor de problemas. Desde o início da minha carreira em Sobral-CE, me incomodava essa coisa de atuar sobre algo sem um referencial que nos desse a condição de avaliar nossa prática recorrentemente. Simplesmente porque o trabalho fica "solto" e as avaliações gestoras sobre o trabalho quase sempre surgiam motivadas por aspectos da dimensão pessoal e pouco profissional. Sobressaía-se àquele(a) que era mais "amigo do chefe" - vou me dar ao luxo de parar por aqui, rs. O resultado é que o amadorismo na gestão do trabalho das Equipes de Saúde da Família prevalece e isso tudo contribui para que ele "não pare de pé", com repercussões negativas na retenção dos profissionais para os serviços e para a população obviamente.


Levei estas experiências ao Ministério da Saúde quando entre 2012 e 2016 atuei no então Departamento de Atenção Básica na Coordenação Geral de Gestão da Atenção Básica, a querida CGGAB. Lá tive a chance de participar e contribuir com a construção do Programa Nacional de Melhoria da Qualidade da Atenção Básica (PMAQ-AB) em seus dois primeiros ciclos. Era uma espécie de evolução do AMQ. Seu processo avaliativo era carregado, complexo, mas entendíamos como necessário para aquele momento. Envolveu Universidades na realização das avaliações externas. Desenrolaram-se 3 ciclos deste Programa ao longo de 8 anos e o que vimos foi um grande volume de dinheiro federal transferidos via PMAQ-AB aos municípios. Um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) em 2017 evidenciou que este recurso chegou a representar 9,3% do total de recursos transferidos no bloco da Atenção Básica em 2015, p.ex..


Caso você tenha atuado como profissional da Estratégia Saúde da Família a esta época, a pergunta que lhe faço é a seguinte: para onde foi todo este incentivo financeiro que seu município ganhou a mais com o dinheiro do PMAQ-AB? qual foi a política municipal pensada para o fortalecimento da Atenção Básica naquele instante histórico? E o que não faltam são perguntas e um debate aqui a respeito seria bastante potente.


Veio o Previne Brasil em novembro de 2019 e desafortunadamente a pandemia logo em seguida como todos testemunhamos. Sob o argumento de uma proposta mais incisiva, numa política que reduziu a avaliação da APS a 7 indicadores de desempenho e assentada na lógica do "toma lá da cá", acabou com o financiamento dos Núcleos de Apoio à Saúde da Família (NASF), com o Piso da Atenção Básica fixo e, dentre outras modificações relevantes, seus resultados trouxeram prejuízos para uma boa parte dos municípios brasileiros - especialmente aqueles com maior fragilidade gestora dos processos de trabalhos das equipes.


O novo modelo de financiamento da APS, nesta fase pós-Previne Brasil, apresenta um repensar concreto deste modelo. Na minha visão, como produto de um trabalho hercúleo dos amigos que seguem no Ministério da Saúde, faz um resgate muito potente de todas estas políticas que já foram trabalhadas ao longo da história, incorporando os pontos positivos delas e, principalmente, tornando-a mais objetiva e factível aos gestores municipais do SUS. Ao mesmo tempo, me parece mais exigente. E este é o ponto mais importante dela pra mim. Não que nas políticas anteriores fosse menos exigente, mas nesta vejo este ponto como um "divisor de águas" mesmo. Para que a transferência dos incentivos financeiros ocorra na plenitude aos municípios, estes gestores deverão possuir a coordenação dos processos de trabalho das equipes na "palma da mão", o que demandará dedicação e bastante energia deles no cuidado com os trabalhadores. Penso que isto agora será mais do que nunca um diferencial.


E lá se vão 20 anos de vida e carreira de bastante esforço e dedicação em favor do fortalecimento da APS no Sistema Único de Saúde. Para além da dimensão político-partidária que pauta as políticas, urge a preocupação por um "norte" pautado pela lógica de Estado que seja capaz de instrumentalizar tecnicamente os municípios para o desenvolvimento das melhores práticas da APS no SUS, de reconhecer os bonitos resultados do trabalho feito pelas equipes dos municípios Brasil afora, de observar a repercussão positiva e concreta dela para as populações locais e de transferir incentivos financeiros variáveis que estimulem continuamente as experiências que mais se destacam com seus resultados. Seguimos atentos à história, cuidando de quem cuida para transformar o jeito de fazer gestão da saúde pública no Brasil.


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[A] Erico Vasconcelos é cirurgião-dentista, estomatologista, especialista em Terapia Comunitária, em liderança e desenvolvimento gerencial de organizações de saúde e com MBA em gestão de pessoas. Há 19 anos atua na gestão da Atenção Básica, do SUS, na Segurança e Qualidade e na Gestão Estratégica de Pessoas de organizações de saúde. Foi gestor de diversas organizações privadas e municípios. Atuou no Ministério da Saúde entre 2013 e 2016 no Departamento de Atenção Básica elaborando políticas e desenvolvendo ações de apoio e educação. Desde 2005 atua na formação em serviço de gestores e profissionais de saúde pelo Brasil afora. Trabalhou como Tutor e Coordenador de Cursos na EaD da ENSP, UnASUS-UNIFESP e na UFF. Foi Professor de Saúde Coletiva da Universidade de Mogi das Cruzes (UMC) e em outros cursos de várias Universidades. Fundou a UniverSaúde em 2016, uma empresa que ajuda gestores a reduzirem custos e a captarem novos recursos com resultados rápidos, fortalecendo a governança e promovendo a sustentabilidade financeira e organizacional da Saúde. Já trabalhou em mais de 50 municípios e organizações. Atualmente desenvolve projetos com o HCor, dentre outros diversos municípios pelo Brasil afora.

 
 
 

5 comentários

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Kelen
21 de mai.
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Érico é um grande profissional e tem um potencial incrível! Ele desenvolveu um projeto excelente no município de Embu das Artes.

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Convidado:
21 de mai.

Grande profissional e amigo Érico.Sempre atento e participativo nas ações que conduzem o nosso SUS

Parabéns!

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José de Alencar F. R. Júnior
21 de mai.
Avaliado com 5 de 5 estrelas.

Tive o prazer de conhecê-lo pessoalmente e mais ainda de trabalhar com ele (infelizmente não foi tempo adequado e desejado) aqui em Conceição do Rio Verde-Sul de Minas Gerais. Aprendi muito, cresci e amadureci na gestão da saúde pública entendendo a maneira profissional e metódica para um funcionamento eficiente dos processos de trabalho diários. Parabéns Érico e UniverSaúde, espero ter a oportunidade de reencontrar novamente num futuro pouco distante. AbraSUS!!

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Helder Melo
20 de mai.
Avaliado com 5 de 5 estrelas.

Erico, um defensor tão apaixonado pelo SUS e um excelente profissional da saúde. Foi um prazer trabalhar com você e aprender com sua experiência e dedicação. Sua contribuição para a saúde pública é inspiradora e merece ser reconhecida.

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Convidado:
20 de mai.
Respondendo a

Alegria imensa pelo carinho, amigo querido! Estamos juntos firmes e fortes na missão de cuidar de quem cuida para transformar o jeito de fazer gestão da saúde pública em nosso País!

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