Erico Vasconcelos [1] Diretor-Fundador da UniverSaúde
Muito tem se falado sobre o tal do “novo normal”. Mas o que vem a ser isto exatamente?
Será mais um daqueles termos prontos pra dar conta de algo que ninguém sabe explicar direito? De qual “normal” estamos fazendo referência? Estaríamos levando a vida de forma “anormal” até então? Mas de qual “anormal” falamos então?
A pandemia chegou com tudo no Brasil no fim de fevereiro deste ano. Com os dados de hoje recentemente divulgados [2], o Brasil 95 dias depois torna-se o novo epicentro da pandemia no mundo. O país agora soma 514.849 diagnósticos de covid-19, ficando atrás apenas dos Estados Unidos, e 29.314 mortes. Com isso, só perde para EUA, Reino Unido e Itália no total de vidas perdidas para a doença.
As subnotificações dos casos de covid-19 e a “escuridão” que impede a visualização do real cenário que nos toma por completo evidenciam a gravidade do momento que estamos passando. Um estudo sobre as subnotificações de covid-19 em cidades do Rio Grande do Sul realizado pela Universidade Federal de Pelotas [3] estimou que o número real de casos é sete vezes maior. Já outro estudo [4] trouxe que este número pode chegar a 14 vezes mais.
E o “novo normal” então sinaliza o quê de revisão para nós? Quais aprendizados são possíveis de tirarmos disso tudo?
Num recorte bem pontual e objetivo, compartilho dez ações que chamo de os possíveis “dez mandamentos” do tal “novo normal” que penso que deveremos nos debruçar no curto prazo para nos prepararmos para este tempo que a pós-pandemia reservará para todos nós em alguns meses, vejam:
1-a cultura da saudação: somos um povo bastante conhecido historicamente pelo “calor” do contato e da aproximação pessoal nas saudações sempre que nos encontramos com familiares, amigos e colegas de trabalho. Até onde consta, pelo menos pelos próximos 18 meses, o abraço e os beijinhos deverão ser trocados por outras formas de celebrar os encontros presenciais,
2-a proximidade e os contatos físicos: novas condutas e comportamentos sociais precisarão ser revisados. Esta é uma demanda para o quanto antes. Das lotações do transporte público aos horários de trabalho das pessoas em geral, haveremos de aprofundar os diálogos para encontrarmos o melhor meio para convivermos em harmonia e de modo mais inteligente e contextualizado para as circunstâncias do momento,
3-a compreensão do “não verbal” e a importância da comunicação oral: com a incorporação das máscaras como acessórios de roupas e que deverão reinar entre nós por um bom tempo, a visão e a fala como sentidos humanos assumirão conotação de importância ainda maior. Creio que haja muito o que explorar neste item tão especial e fundamental para a vida saudável nas organizações onde atuamos. A subjetividade deverá ser um ponto que haverá de perder espaço em um mundo que será cada vez mais marcado pelos registros formais,
4-o virtual sempre que possível; o presencial sempre quando imprescindível: a pandemia de Coronavírus descortinou as resistências e a aversão ao ambiente online de maneira abrupta de uma semana para outra. A cultura das atividades presenciais foram deslocadas para “Lives” sem que muitos soubessem sequer como se comportar diante de delas. Trata-se de um momento de transição de uma cultura histórica cujas análises sobre as vantagens e desvantagens a partir do tripé “ambiente X produtividade X resultados” passarão a ser levadas cada vez mais em conta. Temos muitos desafios aqui, principalmente quanto a educação em ambientes online em meio à incorporação de tecnologias para que ela se processe. A desigualdade do acesso às tecnologias ilustram bem este ponto. Deveremos acompanhar estas questões bastante de perto pelos próximos meses e anos,
5-a casa para além do “lar” como espaço multitarefa: a ressignificação da casa como espaço de trabalho já era para alguns uma realidade. O “home office”, privilégio de alguns, agora tornou-se um imperativo para muitos. Isto repercutirá nas relações familiares demandando novos combinados para a convivência saudável e harmoniosa,
6-o tempo como capital mais disciplinado e orientado pelos resultados: há uma tendência ao relaxamento e à procrastinação quando se trabalha em casa. Mas com o significado ampliado do papel da casa agora isto precisará ser revisto. Em meio aos diversos ganhos de tempo com a permanência em casa em vez de se deslocar ao trabalho, p.ex., as pessoas precisarão desenvolver mais foco e disciplina para o cumprimento das agendas,
7-o cuidado com a saúde física e mental: o ficar em casa deverá reservar sobretudo um tempo de dedicação aos cuidados com a saúde física e mental. Seja com uma caminhada, com a incorporação de uma dieta saudável ou reservando aquela “soneca” pós-almoço, haveremos de viver para descobrir o que fazer para cumprir com esta importante agenda de manutenção da nossa sobriedade e das nossas potências,
8-a internet onipresente: se já era assim agora será mais que indispensável! A internet conectando as pessoas e a casa e a casa e a família com o mundo. Presumo que se o sinal de internet ainda não chega até determinado cômodo da sua casa creio que você revisará certamente isto em breve, rs,
9-inteligência para discernir sobre a melhor forma de consumir as tecnologias: questões relacionadas ao como, quando e por quanto tempo deverão definitivamente tomar espaço entre as famílias e colegas de trabalho. O diálogo para a construção dos combinados predominará nas decisões talvez como nunca antes tenhamos feito,
10-governos e sociedade unidos pelas tecnologias digitais: por fim mas não menos importante. A transformação digital será cada vez mais demandada pelas populações. O conceito de “smart city” [“cidades inteligentes”] passará a ser cada vez exigido pelas sociedades. Neste contexto as GovTechs certamente conquistarão mais espaço e oportunidades nestas relações com os governos que passarão a se tornar mais digitais.
Como é que você se imagina em um mundo marcado por estas ações? O quê vamos perder? O quê vamos ganhar? Quem sairá na frente neste “novo normal” que se avizinha? Cenas dos próximos capítulos, aguardemos..
[1] Erico Vasconcelos é cirurgião-dentista, estomatologista, especialista em Terapia Comunitária, em liderança e desenvolvimento gerencial de organizações de saúde e com MBA em gestão de pessoas. É apaixonado pelos desafios da gestão dos serviços de saúde. Há 15 anos atua na gestão da Atenção Básica, do SUS, na Segurança e Qualidade e na Gestão Estratégica de Pessoas. Foi gestor de saúde de diversas organizações privadas e municípios. Recentemente atuou no governo federal elaborando políticas e desenvolvendo ações de apoio e educação. Desde 2005 atua na formação em serviço de gestores e profissionais de saúde pelo Brasil afora. Trabalhou como Tutor e Coordenador de Cursos na EaD da ENSP, UnASUS-UNIFESP e na UFF. Foi Professor de Saúde Coletiva da Universidade de Mogi das Cruzes (UMC) e em outros cursos de várias Universidades. Fundou a UniverSaúde em 2017, uma startup para a Saúde que ajuda gestores do SUS a fazerem mais e da melhor maneira possível com menos dinheiro, associando informação e inteligência por meio de tecnologias digitais. Já trabalhou em mais 30 organizações e hoje atua em diversos projetos potentes com organizações públicas e privadas.
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